28 de
abril é o Dia Mundial da Educação. Nesta data, buscamos alguns dados
sobre os desafios ao ensino da educação básica no Brasil, agravados com a
pandemia.
Ir e voltar da escola era um cotidiano comum a milhares de crianças
e adolescentes brasileiros até o início do mês de março de 2020, quando foi
decretado o isolamento social e a suspensão das aulas presenciais no enfrentamento
à pandemia da Covid-19. Com as escolas públicas e privadas fechadas, toda a
dinâmica de aulas, exercícios e avaliações teve de ser adaptada ao ambiente
virtual e, em muitos locais no país, sem a estrutura adequada para a educação à
distância (EAD), milhares de crianças e jovens, da educação básica ao ensino
médio, ficaram ainda mais excluídos do processo de aprendizado.
Os efeitos foram sentidos em maior escala pelos estudantes e
professores da educação básica pública, muitos dos quais não empregavam
qualquer mecanismo digital antes da crise. Três meses após a suspensão das
aulas presenciais, cerca de 4,8 milhões de estudantes, o equivalente a 18% do
total de alunos do ensino fundamental e do ensino médio da rede pública, não
receberam nenhum tipo de atividade, nem por meios eletrônicos, nem impressos.
Em junho de 2020, o Relatório de Monitoramento Global da Educação (Relatório da UNESCO), alertou que 258 milhões de crianças e jovens em todo o mundo não tiveram acesso à educação nos primeiros meses da pandemia. No Brasil, outro relatório, o da organização Todos pela Educação no Brasil, “Inclusão e educação: todos, sem exceção" apontou que a pandemia gerará perdas de aprendizagem significativas e deverá aumentar a evasão escolar e as desigualdades educacionais, em uma geração de crianças e adolescentes afetada pelos seus impactos educacionais e sociais, especialmente a dos mais vulneráveis, e, com a ausência de uma “resposta" pós-pandemia à altura, deverá trazer repercussões ainda mais profundas e de longo prazo ao país.
Somado a este cenário, houve, ainda, a desaceleração de importantes agendas que estavam em andamento, como a implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), do Novo Ensino Médio, e medidas dirigidas a profissionalização da carreira e da formação docente. No entanto, apesar do cenário desfavorável, houve avanços importantes, como a aprovação do Novo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) – principal mecanismo de financiamento da Educação – graças à ação de entidades representativas de diversos segmentos da educação e do Congresso Nacional.
O cenário mais complexo piorou indicadores educacionais
O Brasil integra os países de renda baixa e média-baixa,
entre os quais 40% não contaram com políticas para apoiar os alunos durante o
período de fechamento das escolas para conter o avanço do novo coronavírus,
assim como em ser ágil no provimento à acessibilidade a novas tecnologias para
reduzir a exclusão digital, impactando no impedimento da regularidade dos
programas curriculares das séries e no agravamento ao alcance de indicadores
importantes à evolução da área educacional.
O cenário mundial diante da pandemia reforçou e agravou ainda mais a
exclusão de estudantes das famílias mais pobres e de grupos específicos, como
aqueles que vivem em ambiente rural ou em comunidades periféricas de alta
vulnerabilidade social.
Quatro em cada dez estudantes, o equivalente a 42%, não têm
equipamentos e condições de acesso adequados para o contexto da educação não
presencial. São evidentes também as desigualdades regionais. Enquanto quase
sete em cada dez estudantes do ensino médio na Região Sudeste tiveram aulas
online mediadas por seus professores, essa proporção foi de pouco mais de
quatro em cada dez nas regiões Nordeste e Sul.
Na última edição do Programa Internacional de Avaliação
de Alunos (PISA) -
exame realizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)
com alunos de 15 anos de mais de 88 países - a condição socioeconômica dos alunos
brasileiros já era um fator preditivo de desempenho. Ou seja, quanto maior a
renda do estudante, melhor é sua performance na prova – e o abismo que separa
alunos de diferentes classes sociais já vinha se aprofundando antes da pandemia.
Para se ter uma ideia, em 2009, se registrava uma defasagem de 84 pontos entre
jovens ricos e pobres, indicador que saltou para 97 pontos na prova de leitura
de 2018. Na média dos países da OCDE, a distância dos alunos brasileiros é de
89 pontos dos estudantes dos países nas melhores colocações.
Soluções fortalecem as redes e criam práticas inovadoras em educação
No entanto, embora esse impacto à educação apresente um horizonte de mais atraso no alcance aos indicadores de avanço, ele vem sendo pesquisado e tem acelerado propostas que diminuam a defasagem e reduzam o gap, contribuindo na proposição de novas práticas para a superação a esses imensos desafios.
O Projeto Balcão de Ideias e Práticas Educativas, realizado pelo Instituto Neoenergia em parceria com CIEDS – laureado pela NGO Advisor como a segunda melhor organização não governamental do país – é um destes bons exemplos. O projeto, iniciado em abril de 2019, que propõe a formação de professores e gestores escolares, fomentando o desenvolvimento de ações coletivas e integradas na cocriação e ampliação de estratégias pedagógicas que impactem o desenvolvimento integral dos estudantes, revelou práticas inovadoras em educação, que trabalham as dez competências da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Uma de suas ações de maior relevância, em 2020, foi o lançamento de uma plataforma com a proposição de compartilhar estas práticas, reflexões e novas propostas no enfrentamento aos desafios da educação acessível a todos os educadores do país.
Buscando as melhores estratégias para levar o programa ao mundo virtual e identificando os desafios que impactam os cursos EAD, a equipe do projeto investiu tempo e dedicação para superar essas dificuldades e continuar a engajar os educadores. “Foi e ainda é um cenário de muita resiliência e adaptação. Para as soluções complexas, pensamos que é preciso trabalho coletivo. E temos tentado isso com o Balcão de Ideias", diz Nathacha Ferreira, coordenadora do projeto que acontece nos municípios de Caieiras e Francisco Morato, em São Paulo; Itapebi, Itaparica e São Francisco de Conde, na Bahia; Rio do Fogo no Rio Grande do Norte, e Santa Luzia, Junco do Seridó e São José do Sabugi, na Paraíba.
Durante a pandemia, o Balcão de Ideias teve a
oportunidade de exercitar a adaptação de suas metodologias e acompanhamentos
para uma relação à distância. “Em 2020 precisamos aprender a fazer EAD,
pensando no melhor processo de aprendizagem para nossos professores e gestores.
Realizamos
uma pesquisa para identificar os principais desafios e melhores ferramentas de
aprendizagem online, além de elaborarmos conteúdos e criarmos uma plataforma de
ensino remoto”.
Em virtude do
cenário da pandemia e sobre seguir apoiando de maneira valorosa as redes de
educação, o projeto definiu como
estratégias o lançamento da página especial “Educação e Covid-19”, dentro de
sua plataforma online, disponível a todos, e a criação e a implementação de
três cursos EAD de formação de professores e gestores.
A página “Educação e Covid-19" foi lançada em junho de 2020 com o
propósito de realizar uma curadoria de conteúdos, eventos e boas práticas. “E
também possibilitar que os profissionais da área da educação divulguem seus
conteúdos e iniciativas relacionadas ao contexto de pandemia”, explica Nathacha.
Os cursos EAD foram assim divididos: um para professores do
ensino fundamental, com foco na BNCC e o desenvolvimento de competências; outro
para professores da educação infantil, com foco na BNCC e o desenvolvimento do
campo de experiências; e um terceiro com foco na formação dos gestores das
secretarias de educação.
O desafio aumentava diante das desigualdades existentes nas redes educacionais, como dificuldade de acesso à internet e distância entre escolas e moradia dos alunos. “Pensamos a plataforma considerando a melhor experiência dos nossos professores e gestores, para ser fácil de usar no celular e sem depender tanto de boa conexão. Criamos cursos assíncronos (que podem ser feitos a qualquer momento) com os tutores, que utilizaram diversas estratégias para apoiar os educadores no uso dos recursos nessa nova realidade", complementa Nathacha.
A rede formada desde o início do projeto alcançou mais de 1600 professores e gestores escolares e tem impactado na difusão de ideias inovadoras em educação por meio da sistematização de práticas pedagógicas que trabalhem as dez Competências Gerais da Base Nacional Comum Curricular. Em 2020, foi adaptada ao modo remoto – e quanto mais os professores e educadores desenvolviam-se nesse novo modelo e recebiam feedbacks positivos, mais percebiam que estavam aprimorando seus saberes e evoluindo com o curso digital.
Foi construído um percurso formativo completamente novo. Cada grupo que faz parte da rede do programa, teve uma estratégia customizada, utilizando o que conheciam de seus participantes para desenvolver maneiras de engajá-los - criando um curso com linguagem acessível, abordagem teórica-metodológica contemporânea e formadores experientes e dinâmicos.
“Eu me senti insegura por não
estarmos trabalhando presencialmente. Eu estava ensinando a mãe, a gente estava
acostumada a falar com a criança. Precisamos ensinar a mãe para ela ensinar.
Fomos tentando até acertar em que caminho seguir. Aí vi que era só uma
adaptação do que eu já fazia normalmente”, explica Solange Oliveira, professora
de educação infantil em Francisco Morato (SP).
Já Lucycleide Ferreira,
professora do ensino fundamental no município de Itaparica, diz que o projeto
foi além, pois embora a pandemia fosse um cenário triste, a aprendizagem
precisa sempre estimular o lúdico. “Acredito muito nessa parte do aprender
brincando, da ludicidade. O ensino chega de um jeito mais suave e o aluno
consegue assimilar, aprender de forma leve”, diz.
A turma de Itaparica, da qual
Lucycleide faz parte, é composta de professoras da educação infantil e todas
elas desejavam ampliar seus saberes educacionais, criar práticas pedagógicas e
compreender mais sobre a aprendizagem de seus estudantes, e não tinha disponível
equipamentos. No início, apresentou inúmeras dificuldades de acesso e pouca
familiaridade com o ambiente virtual, mas venceu as dificuldades a partir da
rede do projeto.
Em março de 2021, as professoras
fizeram questão de registrar sua formatura, diante de todas as dificuldades e
protocolos exigidos à prevenção da Covid-19, com o objetivo de compartilhar
mais essa experiência com todos os professores do país. “Com o Balcão me senti
mais preparada, capacitada e com novas habilidades de ensino”, conclui
Lucycleide. A iniciativa das professoras de celebrar o seu processo formativo
finalizado diz muito sobre os resultados do projeto, que vem superando desafios
e mudando a realidade da educação brasileira, todos os dias.
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