Clique aqui e confira a íntegra do terceiro episódio do podcast #DeixElaTeInspirar com Sonia Consiglio Favaretto
Especialista
em sustentabilidade foi a entrevistada do terceiro episódio da série de
podcasts #DeixaElaTeInspirar e falou sobre Agenda 2030 e ESG
Sonia Consiglio Favaretto, especialista em sustentabilidade e SDG Pioneer pelo Pacto Global da ONU, foi a terceira entrevistada para a série de podcasts #DeixaElaTeInspirar, realizado pela Neoenergia, por meio do seu instituto, para contar trajetórias pessoais e profissionais de mulheres – o novo episódio já disponível no Spotify. Ela acaba de lançar o livro “#vivipraver
– A história e as minhas histórias da sustentabilidade ao ESG” e falou
sobre a Agenda 2030, a transição para um modelo mais sustentável de
desenvolvimento e igualdade de gênero no mercado de trabalho. “Estamos num momento bastante propício para caminhar para essa mudança de chave total, que não acontece em curto prazo”,
afirmou. Leia os principais trechos da entrevista de Favaretto
concedida para Renata Chagas, diretora presidente do Instituto Neoenergia:
Renata
Chagas - Estamos encerrando um ano que foi desafiador para o mundo
inteiro. Em paralelo ao cenário da pandemia, falamos cada vez mais em
ESG. Eu imagino que ao longo da sua trajetória em sustentabilidade você
tenha visto muitas transições, que talvez tenham se acentuado este ano.
Quais são as principais mudanças que você enxerga na sustentabilidade e
no ESG?
Sonia Consiglio Favaretto -
É uma longa jornada, são quase 20 anos atuando nessa área e por isso o
livro se chama #vivipraver, que na realidade já era a hashtag que eu
usava nas redes sociais. Sempre que eu via alguma algo muito impactante,
que há cinco ou dez anos achávamos que seria impossível acontecer, eu
sempre postava com o #vivipraver. Vivi para ver as mulheres chegando aos
Conselhos de Administração, vivi para ver os investidores pressionando
as empresas por essa agenda. Tem toda uma lógica de resgatar a jornada.
Não chegamos hoje, não foi do dia para a noite que estamos com essa
agenda tão bem colocada, divulgada, debatida, estruturalmente entrando
nas organizações. Então, o que eu trago no livro na verdade são 50
histórias que me marcaram ao longo do caminho. Hoje, é óbvia a coleta
seletiva de materiais, mas isso não foi em algum momento, não pensávamos
em separar lixo. Eu, por exemplo, conto como foi a implantação de uma
coleta seletiva porque ali você tinha que vencer comportamentos
arraigados. Em sustentabilidade, falamos sobre isso, mudança de
comportamentos, pensar diferente. É muita mudança nesses anos todos e,
talvez tentando sumarizar, diria que a chegada das lideranças é um
marco, todos os tomadores de decisão entendendo que de fato não estamos
falando de uma agenda paralela, uma agenda nice to have.
Não, eu tenho que atuar pelo social e ambiental porque é o
econômico-financeiro que está sendo impactado. Temos essas mudanças de
novos atores chegando e entendendo a importância estratégica dessa questão e por trás disso mudança de mindset,
de comportamento. Tem uma passagem que eu cito no livro e eu a
considero muito emblemática. Foi de uma entrevista de seleção que eu
tive para uma posição de gerente de comunicação há muito tempo. Eu tinha
acabado de me casar, há 30 anos, e a pessoa do RH me pergunta se eu
pretendia ter filhos. Eu falei que talvez sim e a pessoa me respondeu
com muita tranquilidade: “se você tiver filhos, aqui demitimos quando a
mulher engravida porque no final ela vai ficar vários meses fora, a
empresa tem que rodar”.
Renata
Chagas - Uma das minhas histórias principais, que eu sempre conto, é
uma entrevista para gerente de comunicação e sustentabilidade e na minha
última entrevista, o vice-presidente me fez uma pergunta muito
parecida. A partir daquele dia, eu me coloquei a meta pessoal de
trabalhar pela mudança daquela cultura nas empresas, de que as mulheres
não podem ocupar os espaços ou de que a maternidade atrapalha a nossa
trajetória.
Sonia Consiglio Favaretto -
Eu acabei não tendo filhos, mas quando ouvi isso nem me passou pela
cabeça de que era um assédio moral. Não existia isso lá atrás. Quando
falamos nessa jornada da sustentabilidade são essas mudanças de
comportamento que mostram que o mundo evoluiu e essas questões se
tornaram de fato cruciais.
Renata
Chagas - Como você vê a liderança das mulheres? Estamos vendo a mudança
nos boards das empresas e nos quadros de colaboradores. Aqui na Neoenergia
temos uma meta de ter um percentual de homens e mulheres em cargos de
liderança, mas também temos iniciativas que propiciam que chegue nesse
número porque é uma construção. A Escola de Eletricistas para mulheres é
um exemplo disso, estamos formando mulheres eletricistas numa profissão
que era basicamente ocupada por homens, historicamente. Você acha que
perseguir a igualdade de gênero nas empresas é de fato importante?
Sonia Consiglio Favaretto - Considero
absolutamente importante e vejo alguns movimentos acontecendo. Viemos
de um ano que não precisa nem descrever, em 2020, o que vivemos com
pandemia e seguimos vivendo. Mas 2020 tem o marco da surpresa, do
inesperado. E ali tivemos eventos ligados à diversidade, como um todo,
muito impactantes. Foi publicado um suplemento no Valor Econômico
maravilhoso sobre mulheres na liderança, eu fiquei folheando e vendo
tantos exemplos colocados que mostram que é uma pauta que passou a ser
valorizada e mostra resultados. Quando falamos das empresas, temos que
falar do fim das empresas: a empresa é segundo setor, não é primeiro nem
terceiro. Ela está ali para dar resultado econômico-financeiro, porém,
um novo resultado econômico-financeiro. A igualdade de gênero traz
melhores resultados e temos todas as pesquisas colocando. Eu entendo que
é um movimento que já vinha acontecendo e ganhou mais impulso. É
absolutamente decisivo para as empresas, as empresas com visão já
perceberam isso. Eu trago um dado que é estarrecedor, que mostra o
quanto a gente tem que de fato investir nessa agenda. O Fórum Econômico
Mundial publicou um relatório chamado The Gender Gap Report e mostrou que a pandemia atrasou em uma geração o tempo para fechar o gap
da igualdade de gênero. Antes da pandemia, era por volta de 99 anos e
após a pandemia foi para 135. O que era inaceitável, um século para
aproximar as condições de homem e mulher, se tornou muito mais
desafiador. Sim, é uma agenda prioritária, é uma agenda colocada e eu
vejo esses movimentos se acelerando, o que é muito importante.
Renata
Chagas - Eu quero que chegue em 2030 e consigamos dizer que conseguimos
cumprir a agenda da ONU, conseguimos atingir os objetivos de uma forma
que seja relevante. Estamos fazendo e precisamos fazer muito mais.
Sentia muito nas empresas uma preocupação sobre o retorno financeiro,
mas hoje eu sinto que as empresas estão mudando a sua visão e o olhar
para a sustentabilidade já foi entendido como essencial para a
continuidade do negócio. Você acha que existe uma mudança cultural,
principalmente do financeiro das empresas, de entender a importância da
sustentabilidade?
Sonia Consiglio Favaretto - Eu
vejo. É um processo, não acontece do dia para a noite e acontece na
linguagem de cada público. Quando você fala do CFO, é isso mesmo, ele
está ali por um resultado financeiro que ainda é predominantemente
econômico. Em que momento ele muda essa chave e começa a ver as questões
sociais e ambientais no seu resultado econômico? Quando acontece algum
fato que o faz despertar para isso. É por isso que é tão importante que
nós, como formadores de opinião, sigamos divulgando. Vou contar um fato
que está no livro, de uma das empresas que eu trabalhei e que era
aquilo: a responsável por sustentabilidade está fazendo “água mole em
pedra dura”, dizendo que é importante. Mas o CFO não estava na mesma
página que eu, até que um dia ele recebe uma ligação de um investidor
europeu questionando a nossa posição em um ranking de sustentabilidade,
querendo entender o que estávamos fazendo. Na hora ele me ligou e
ficamos quase duas horas conversando com o investidor. A partir daí,
essa agenda entrou no radar do meu CFO. Tem que ter um fato que dialoga
com o mindset
desse público, senão você continua sendo uma pessoa sonhadora e que
quer salvar o mundo. É o que também queremos, mas não é essa questão
quando se fala no corporativo. Penso que hoje estamos em outro patamar
de discussão, temos iniciativas de CFOs para sustentabilidade, Pacto Global, formações especificas e também vemos o mercado ofertando novos produtos baseados nisso: sustainability bonds, green bonds, social bonds. Ou seja, o mercado começa a precificar e valorizar essas opções e entra na agenda do financeiro. Ao meu ver, vivemos um momento bastante propício para caminhar para essa mudança de chave total, que não acontece em curto prazo.
Renata Chagas - Você acha que até 2030 vamos ter todas as empresas sustentáveis?
Sonia Consiglio Favaretto -
Até 2030 não vai mais ter dúvida do porquê que essa agenda tem que se
colocar e isso já é grande, porque temos pequenos, médios, grandes
empreendedores, startups. Se tivermos uma mudança de lógica de modelo,
que é isso que estamos construindo, acredito que já vai ser um grande
avanço. Teremos empresas mais avançadas, empresas absolutamente
referências, outras começando. Mas não tenho dúvidas de que a conversa
vai estar em outro patamar.
Renata Chagas - Estava lembrando que o Instituto Neoenergia
foi, como todas as organizações, sacudido pela pandemia. Nos obrigou a
pensar em outros formatos, como conseguiríamos chegar às comunidades de
uma forma remota. Acabamos pensando num projeto que não estava previsto e
que foi criado nesse contexto de pandemia, que foi o Prêmio Inspirar.
Abrimos para inscrição de mulheres líderes de projetos socioculturais
nas suas comunidades e foram mais de 150 inscritas e mais de 157 mil
votos populares. Com isso, percebemos o poder de mobilização das redes,
porque a votação popular fez com que cada uma dessas mulheres inscritas
ativasse as suas redes e desse visibilidade
ao que cada uma delas faz. Penso que podemos trazer para esse contexto
da sustentabilidade, como as nossas conexões e essa informação que chega
muito rápido de um lado a outro também favorecem essa agenda.
Sonia Consiglio Favaretto -
Primeiro, um comentário: eu imagino o que deve ter sido lidar com
investimento social privado e com projetos sociais durante esse ano
pandêmico ou no ápice dele, é realmente desafiador demais não poder
estar na ponta e saber que a ponta continua funcionando e precisando
mais do que nunca. Parabéns. As empresas brasileiras e seus institutos
deram uma lição de cidadania maravilhosa. Tudo está nas redes sociais, o
que estamos falando agora está repercutindo em algum lugar. As redes
têm esse poder e a pandemia também. É heresia falar em lado bom de
pandemia, mas no fim acelerou muito essas conexões. As redes realmente
ocupam um papel de protagonismo, promoção e engajamento.
Renata Chagas - A questão da acessibilidade vai continuar mudando?
Sonia Consiglio Favaretto - A
palavra é transição. A dúvida é o tempo que isso vai levar porque
processos de produção também não mudam de um dia para o outro e eu penso
que as empresas estão genuinamente empenhadas em fazer essa transição
porque já entenderam que é isso que tem que acontecer. Sobre as roupas,
um exemplo claro de mudança de comportamento é que, até 15 anos atrás,
comprar uma roupa usada num brechó era uma vergonha e hoje tem empresas
abrindo capital em bolsa. Realmente é uma mudança de modelo, que é assim
que a gente tem que avançar lá para os ODS (Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável), para a Agenda 2030. Não tem outro jeito:
ou muda o modelo ou vai nadar contra a corrente. Eu não tenho dúvida que
o tempo de um novo modelo, que considere questões sociais e ambientais
no econômico-financeiro, chegou e sou sempre otimista de que vamos dar
conta de implementar esse novo modelo.