​​Oh! Bendito o que semeia Livros à mão cheia E manda o povo pensar! O livro, caindo n'alma É germe – que faz a palma, É chuva –​ que faz o mar​!
Castro Alves


Não há dúvidas: a literatura tem poder para transformar a vida das pessoas. Essa é uma lição que Vanessa Daya aprendeu ainda criança, nas aulas de português. A escola sempre ocupou um espaço significativo em sua vida, mas os encontros onde entrava em contato com os livros eram sua parte favorita da jornada escolar.
Vanessa relata que teve uma infância difícil. Crescida no Morro da Congonha, uma comunidade periférica loca​lizada em Madureira, bairro do Rio de Janeiro (RJ), Vanessa passou pelas dificuldades que muitas crianças negras em situação de vulnerabilidade social enfrentam: a fome, a pobreza, a violência e a falta de oportunidades de crescimento social e de qualidade de vida.

Ainda assim, mesmo com as dificuldades, ela afirma que era uma “criança sonhadora, que vivia no mundo do faz de conta”. Este mundo a que Vanessa se refere é o da literatura. Sua infância foi difícil, mas foram os livros que leu ainda pequena que a fizeram sonhar no meio de tantos pesadelos. Um dos sonhos que ela tinha era de ter a sua própria biblioteca.​​

Sua paixão pela literatura começou nos primeiros anos da escola, onde foi apresentada ao livro “A bolsa amarela”, de Lygia Bojunga. A responsável por ler o livro a Vanessa foi a professora Maria da Graça Soares Valente, popularmente conhecida por Tia Graça, uma moradora do Morro da Congonha que dedicou toda sua vida à educação das crianças da comunidade. O livro, que conta a história de uma menina que guardava em sua bolsa amarela três grandes vontades — a de crescer, a de ser garoto e a de se tornar escritora — logo sobressaltou os olhos da menina Vanessa e, desde então, não se desgrudou mais do universo literário. Ao relembrar esta memória, Vanessa traz uma riqueza de detalhes sobre o livro e a Tia Graça, figura muito representativa em sua vida e que impactou diretamente toda a sua trajetória.

Ao entrar na adolescência, a paixão pelos livros e pelo saber aumentou exponencialmente. Nesta fase, Vanessa começou a amadurecer seu gosto literário e logo começou a consumir obras que a deixavam reflexiva sobre o seu papel na sociedade. No processo de se entender enquanto uma mulher negra em um país patriarcal e racista, encontrou na militância um espaço para exercer sua força e pensamento crítico sobre o lugar que habitava. Ao se considerar uma pessoa que “não consegue ficar parada”, Vanessa se lança à reflexão sobre as diferenças sociais, algo que a acompanha até hoje e que a traz uma conclusão significativa: “aquilo que é do outro, não pode mudar quem sou”.

Já na juventude, começa a trabalhar na zona sul da cidade do Rio de Janeiro (RJ), uma das regiões mais ricas da sociedade. Ao passar pelos túneis que conectam a cidade do Rio para chegar ao trabalho e ver as diferenças discrepantes do local onde morava para aquele, surge em Vanessa um sentimento forte para ação. Passando na faculdade biblioteconomia, desistiu do curso pouco tempo depois, por não se identificar com aquele espaço acadêmico que muitas vezes se mostrava burocrático e com pouca conexão com a realidade.

Anos depois Vanessa se casa e tem os seus filhos. Para incentivar as suas crianças a terem a mesma paixão que tinha nos livros, começou a fazer mediação de leitura e contação de história para os pequenos. Seus filhos gostavam tanto da atividade que começaram a chamar os colegas para participarem das leituras que a mãe fazia. Quando percebeu, Vanessa tinha um grande grupo de crianças da comunidade para lerem dentro da sua casa. Motivada por todos os pensamentos de sua juventude, pela revolta ao ver as disparidades entre os bairros da cidade e motivada pela literatura, Vanessa largou seus trabalhos e decidiu se dedicar na construção de uma biblioteca comunitária para as crianças do Morro da Congonha. Indo além disso, Vanessa funda o Ler e Saber na Comunidade, uma organização social sem fins lucrativos que tem como foco promover o incentivo à leitura, acesso à Literatura Infanto-Juvenil e ações educativas no seu território.

Ao ser questionada o porquê de dedicar toda a sua vida ao projeto e a promoção da leitura, Vanessa diz: “Amo cuidar de pessoas, me importo com a vida. O mais importante para mim é a vida”. Por se preocupar tanto com a vida das crianças e adolescentes da Congonha, Vanessa encontrou nos livros um caminho para a preservação, cuidado e crescimento desses indivíduos, pois foi por meio da leitura que ela própria se desenvolveu. Atualmente, não se considera como professora ou pedagoga, mas como “uma educadora e empreendedora social”, pois levantou em uma comunidade esquecida um projeto de impactos extremamente frutíferos na vida de quem participa.

Vanessa não mora mais no Morro da Congonha, agora vive com a família no próprio bairro de Madureira, mas todos os dias volta à comunidade que foi seu lar por muito tempo e onde toda sua história está construída. Além disso, quando pode, sempre faz uma visita para Tia Graça, sua professora que iniciou sua trajetória com a literatura, e sempre está cercada de livros, pessoas e alegria. Ao pensar em todo o caminho que percorreu, Vanessa sente-se orgulhosa, principalmente porque concretizou o sonho de infância de ter uma biblioteca, a “Biblioteca Comunitária Maria da Graça Soares Valente”, um espaço destinado ao desenvolvimento de novos leitores, crianças e adolescentes que leem não apenas livros, mas o mundo, um lugar onde eles não precisam guardar suas vontades em uma bolsa amarela, mas concretizá-las na realidade.​

Créditos
  • Produzido por Agência EDN
  • Texto: ​Lucas Gregório Viana
  • Fotos: Pedro Paquino e Maykon Lima

Ficha técnica do vídeo
  • Produzido por Agência EDN
  • Direção: Camila Vaz
  • Direção de fotografia e câmera: Pedro Paquino
  • Assistente de fotografia: Maykon Lima
  • Drone: Pedro Paquino
  • Som: Maykon Lima
  • Produção: Lucas Gregório Viana e Bianca Braga
  • Produção executiva: Camila Vaz
  • Edição e finalização: Pedro Paquino
  • Colorização: Gabriel Felício
  • Arte e Motion: Camila Ribeiro e Davi Araújo
  • Libras: Juliana Gonçalves​